terça-feira, 20 de setembro de 2016

Postagem Stéphanie - Paralimpíadas

Conforme prometido, ao longo desta semana, estarei postando o depoimento de pessoas que viveram a experiência das Paralimpíadas Rio 2016.
Hoje a minha filha Stéphanie:
Olá, meu nome é Stéphanie e eu sou filha do dono do blog “Fiquei Deficiente - E AGORA?”.

Antes de começar meu relato sobre minha ida até as Paralimpíadas do Rio 2016, eu gostaria de deixar claro que não sou portadora de nenhum tipo de deficiência, o que me incapacita de julgar o que é ou não inclusivo na cidade.
Minha estadia no Rio foi breve e exclusivamente para assistir aos Jogos Paralímpicos.
Já ao desembarcamos no dia 09/09 em Santos Dumont, pudemos ver uma rampa que estava ali para auxiliar os cadeirantes a subirem em ônibus. A rampa estava com o logo do Rio 2016, não sei dizer se ficaria ali até depois do evento.

Nosso embarque e desembarque foi todo feito pelo aeroporto Santos Dumont, então, não consigo analisar como estavam as preparações no Galeão, que é o aeroporto internacional do Rio.


Na sexta da nossa chegada, tivemos a oportunidade (e a honra) de assistir ao Jogo de Basquete feminino em Cadeiras de Rodas.
O jogo aconteceu no Parque Olímpico, que está muito bonito, aliás. Uma vez lá dentro, pudemos observar que todas as instalações pareciam estar prontas para receber pessoas deficientes. As ruas lá dentro eram largas, havia sempre mais de uma opção para o acesso (se houvesse uma escada, também tinha uma rampa ou uma ponte...), além disso era possível ver pessoas deficientes circulando por todo o Parque Olímpico, o que era incrível, uma vez que todo esse evento é sobre elas, é para elas.
Isso sem contar que toda a equipe de voluntários parecia estar preparada para ajudar, sempre.


Devo admitir que jamais acompanhei esportes praticados por deficientes, exatamente por um preconceito que ronda a nossa sociedade, principalmente a brasileira.

Deixe-me contar o que eu ouvi quando disse que estava indo para as Paralimpíadas: “Nossa, não tenho coragem. Acho super triste”.
E eu preciso dizer que o que eu vi lá foi absolutamente tudo, menos triste.

Essas pessoas são lutadoras, são guerreiras e não são desistentes. São vencedoras, pois, apesar de todos os empecilhos, estão lá: sendo atletas paralímpicas. Representado seus países.


O jogo em si, foi extremamente emocionante (de todas as formas). A partida era China VS. França, e bem que a França tentou, mas quem levou essa foi a China. 
Nunca tinha tido a oportunidade de assistir um jogo em cadeira de rodas, como eu já disse ali em cima. E foi incrível ver de perto a força e a garra dessas meninas. Foi incrível presenciar aquela festa, a torcida que gritava apoiando ambos os times, comemorando a cada cesta. A torcida que batia palmas para todas as vezes que as meninas caiam, mas, se levantavam (pasmem: sozinhas!).
Foi um jogo maravilhoso e empolgante.


Para me locomover pelo Rio, eu utilizei em sua maioria o aplicativo Uber, por não ter conhecimento nenhum da cidade, uma vez que era minha primeira visita à Cidade Maravilhosa. Mas nesse dia, especificamente, eu me locomovi de ônibus, BRT. Esse ônibus tem uma faixa exclusiva para ele, sendo essa literalmente separada das outras faixas de carro.
Para pegar o BRT, você precisa estar em uma plataforma onde o ônibus para e você fica da altura dele, não há necessidade de subir escadas. Isso tornava o uso do ônibus de fácil acesso para pessoas com dificuldade de locomoção, ou qualquer outro tipo de deficiência. Sem contar que todo o acesso a plataforma inclui rampas.
No sábado, dia 10/09, fui “turistar” pela cidade do Rio. Primeiramente fui conhecer os lugares mais icônicos da cidade, mas infelizmente o dia estava nublado demais para irmos até o Cristo Redentor. Dessa forma, acabamos indo apenas ao bondinho do Pão de Açúcar.
O bondinho é lindo. A subida é incrível, a vista da cidade é maravilhosa. O Rio realmente continua lindo. Mas, o mais bonito foi ver a delegação de vários países esperando na fila para entrar no passeio. E perceber que esse passeio estava pronto para recebê-los.
Pude ver vários cadeirantes passeando por ali, pelo morro da Urca. O caminho lá em cima é todo feito de ladeiras, mesmo que muitas delas sejam tortuosas, mas, todos os atletas pareciam felizes, tiravam fotos e brincavam com seus colegas.

Além disso, no topo do morro da Urca havia um letreiro escrito Rio 2016 em Libras. E o mais incrível disso tudo foi ver as pessoas fazendo filas para tirar uma foto com esse símbolo de inclusão.
Não posso afirmar com certeza se todas as pessoas que estavam ali sabiam do significado daquele letreiro ou se elas entendiam o que aquilo simbolizava, mas, de qualquer forma, quanto mais pessoas, maior é a visibilidade.


Depois do Bondinho, acabamos passando a tarde e o início da noite na praia de Copacabana. Andamos por todo o calçadão, apreciamos as músicas vindas dos vários barezinhos por ali.
Na frente da enorme loja Oficial das Olimpíadas e Paralimpíadas estava uma bateria tocando samba para todas as pessoas e muitas delas se aglomeravam ali para dançar.
Perto do famoso Copacabana Palace estava o símbolo das Paralimpíadas, no lugar onde antes ficava o símbolo das Olimpíadas, e mais uma vez uma fila grande para tirar foto com ele. Foto aliás que eu tirei e é a primeira do meu relato.
Durante a minha longa caminhada, pude ver pessoas de vários países caminhando por ali. Pessoas com vários tipos de deficiência, famílias, crianças ...naquele momento eu pude perceber claramente como essas Paralimpíadas falavam de inclusão e como as pessoas com deficiência têm cada vez mais conseguido combater a barreira do preconceito, têm conseguido reunir pessoas, vencer dificuldades...
Na praia de Copacabana havia uma barraca onde era possível cadeirantes pegarem uma cadeira que entra na água, para terem a chance de conhecer o mar de Copacabana. Como fui à noite, parecia estar fechado. Não sei se esse serviço era oferecido gratuitamente ou se era necessário pagar algo.
Novamente, eu não estou no meu lugar de fala. Eu não posso afirmar com veracidade o que é inclusivo ou não. Sou uma pessoa que não tem a menor consciência do que essas pessoas sofrem, do que elas lutam, então, eu não posso passar por cima da opinião de quem de fato pode dar a opinião. Tudo o que eu digo aqui foi o que eu tive a oportunidade de observar, mas, para sabermos se de fato o Rio estava inclusivo e preparado para um evento desse porte, somente ouvindo às pessoas que sofrem de alguma deficiência e que estiveram lá, mas, do ponto de vista dessa que vos fala, tudo parecia muito bonito e todas as pessoas pareciam muito alegres.
No meu último dia no Rio, eu fui novamente assistir a um Jogo Paralímpico. Dessa vez fui ao Riocentro.
O Rio de Janeiro estava um pouco confuso nas questões de rua. Ainda mais por que eu me hospedei na Barra da Tijuca, que estava recebendo dois dos principais pontos dos Jogos Paralímpicos. Por isso, muitas vezes eram necessárias longas caminhadas para chegar aos lugares. Não sei se isso também foi um empecilho para deficientes ou se para eles havia alguma outra maneira de chegar aos jogos.
O Riocentro é, normalmente, um pavilhão que recebe eventos no Rio de Janeiro. Por isso estamos falando de um lugar muito grande, muito espaçoso. Para chegar até a área onde os jogos estavam ocorrendo, havia um longo tempo de caminhada.

Pude observar alguns voluntários dirigindo carros motorizados que buscavam e levavam crianças, deficientes e idosos para evitar um desgaste dessas pessoas.

Nesse dia (11/09), fomos assistir ao halterofilismo masculino até 72kg. O halterofilismo não é exclusivo de uma deficiência como outros esportes, por isso é possível ver pessoas com os diferentes tipos de deficiência disputando essa categoria.
Logo na entrada de nosso pavilhão, fomos recebidos por um rapaz com deficiência intelectual, que nos indicou onde eram nossos assentos, mostrando que as inclusões iam além das instalações: haviam pessoas deficientes trabalhando como voluntários.
Nos jogos em que eu tive a oportunidade de ir, pude perceber que cadeirantes e pessoas com dificuldade de locomoção tinham cadeiras reservadas próximas às quadras ou centros onde o esporte em questão aconteceria.
Nas arquibancadas, os deficientes tinham lugares na frente, para poder acompanhar tudo de perto. E um voluntário ficava ali responsável para indicar os assentos preferenciais.
Nada mais justo, uma vez que esse evento é totalmente para eles. Uma vez que as Paralimpíadas são uma conquista de todos eles.

No halterofilismo os atletas entram sozinhos, não em time. Isso gerou uma oportunidade, a plateia conheceu um por um. E a cada entrada de cada atleta, todo mundo gritava, festejava, batia palmas, se alegrava. E em resposta, os atletas correspondiam o carinho na mesma moeda: todos eles entraram acenando, sorrindo e brincando com a plateia. Foi algo muito incrível de se ver.
Nessa modalidade eu tive a oportunidade de ver o recorde paralímpico ser batido. Mais de uma vez, inclusive.
O atleta Lei Liu da China bateu o recorde, logo em seguida o atleta Rasool Mohsin, do Iraque, bateu novamente.
E então Rasool Mohsin pediu para tentar bater o recorde mundial paralímpico, e ele conseguiu! Contudo, na somatória dos pontos, o chinês acabou levando a melhor.
Mesmo assim, foi inacreditável ver aqueles homens vencendo suas próprias barreiras e batendo recordes. A plateia ia à loucura, batendo os pés no chão e as mãos no alto, empurrando os atletas no grito. Torcendo demais para que cada um ali conseguisse alcançar seus objetivos. Isso sem contar as diversas vezes que a torcida bufava impaciente quando os jurados não consideravam alguma levantada, invalidando o movimento do atleta.
Em vários momentos eu me senti emocionada, mesmo perdendo, os atletas saiam sorrindo e brincando com a torcida.
Dessa vez, eu pude presenciar a cerimônia de entrega das medalhas. Foi ainda mais emocionante do que eu pensava, mesmo não tendo ninguém do Brasil ali, eu me senti tocada demais. É lindo ver alguém conquistando algo, independente de seu país de origem.
No fim das contas, o ouro ficou para o chinês Lei Liu, prata para o iraquiano Rasool Mohsin, e bronze para o nigeriano Nnamdi Innocent.

Ao fim da cerimônia, eu saí do Riocentro e caminhei até um ponto onde pudéssemos pedir um Uber.
Perto do Riocentro estava localizada a Vila dos Atletas Paralímpicos. Aquela região estava cheia deles treinando, caminhando nas ruas, andando de bicicletas, passeando pelo Rio.
Vários ocupavam os espaços das ciclofaixas (localizadas em cima das calçadas) andando com suas cadeiras de rodas, aproveitando o dia de muito sol. Mesmo assim, vi casos de atletas tendo que desviar de buracos na calçada.
Por fim, voltei para o lugar onde eu estava hospedada e rumei para o aeroporto Santos Dumont, para voltar para São Paulo.
O que eu aprendi com toda essa experiência? Respeito. Respeito por esses atletas que vencem as barreiras dos preconceitos, de uma sociedade antiquada que tenta pregar que lugar de deficiente é em casa. Na verdade, o lugar do deficiente é onde ele quiser estar! Onde ele se sentir confortável, onde ele achar melhor, onde ele gostar. Ninguém tem o poder de dizer para alguém onde ela deve ir, como ela deve viver sua vida. Apenas a própria pessoa conhece suas limitações.
Respeito por essas pessoas que vivem com deficiência e que são taxadas de incapazes por pessoas que, no fim das contas, fazem muito menos, encaram muito menos, lutam muito menos.
Respeito por que ser atleta já é uma dificuldade sem tamanho, mas, ser atleta paralímpico, pode ser comparado a super poderes: pessoas que lutam além das suas forças para seguirem seus sonhos, mesmo quando o resto do mundo diz que elas não podem.
Respeito por que essas pessoas ali são a vívida representação de que ser deficiente não é o fim. Os seres humanos são incríveis pelo seu enorme potencial e poder de adaptação. Quando um ser humano quer, não existe força divina que consiga ficar no seu caminho: ele inventa jeitos, inova, se desdobra, mas alcança seu objetivo. Independente de qual for.
Respeito já que esses atletas mostram que existe vida na deficiência! Eles são exemplos para crianças que enfrentam os mesmos problemas, eles são exemplos para pessoas que acreditam que ser deficiente é o fim. Eles são exemplo para qualquer pessoa. Esses atletas são sinônimo de superação e luta.
No fim das contas, foi bonito ver que fizemos bonito em casa. Foi indescritível poder participar de um evento acontecendo tão maravilhosamente no quintal de nossa casa, nossa Pátria Amada.
Eu acredito que as Paralimpíadas sejam até mais importantes do que as Olimpíadas, principalmente aqui no Brasil. É importante que o povo brasileiro comece a mudar sua mentalidade, comece e ver as coisas por um outro ângulo. E eu acho que, pela torcida animada e lotada, pudemos perceber que o Brasil está sempre apto a mudar.
De maneira geral, as Olimpíadas e as Paralimpíadas foram totalmente sobre inclusão. Pela primeira vez pudemos ver pessoas diferentes se unindo para fazer história. Teve transexual puxando a delegação brasileira na abertura das Olimpíadas. Teve mulher fazendo bonito, ganhando medalhas, participando. Tivemos choques culturais que não causaram farpas ou estranhamentos. Tivemos pessoas que conseguiram seu direito de praticar esporte pela primeira vez (como as atletas do Egito). Tivemos medalhas Paralímpicas que podem ser ouvidas, e que vêm com escrito em braile, para que todos os atletas possam apreciar aquilo, para que todos eles se sintam incluídos nessa.
Acredito que essas Olimpíadas e Paralimpíadas tenha sido extremamente brasileira: receptiva, carinhosa e uma grande mistura. Já dizia Rainha Ivete: “Hoje tem festa no gueto; Pode vir, pode chegar; Misturando o mundo inteiro “vamo” vê no que é que dá. Tem gente de toda cor; Tem raça de toda fé; Guitarras de rock'n roll, batuque de candomblé”.
Parabéns atletas por suas conquistas sem iguais, suas medalhas que vocês devem carregar com muito orgulho, por vencer todas as barreiras que lhes foram impostas.
Parabéns Brasil por essa festa maravilhosa, por esse show de mistura que só a gente sabe fazer.
Olimpíadas e Paralímpiadas da inclusão? Aconteceu aqui. Aconteceu no Brasil.
 Medalha de ouro para nós.
Sou muito grata pela oportunidade de ter ido as Paralimpíadas e por meu pai ter cedido para mim um espaço para falar da minha experiência e visão desse evento maravilhoso.
Nota da Autora: Correndo o risco de ser repetitiva, eu precisava deixar bem claro que em nenhum momento do meu texto eu tive a intenção de tirar o lugar de fala de nenhum deficiente. Esse texto é apenas a minha visão do evento, sabendo que eu não tenho propriedade nenhuma para julgar o que é inclusivo ou não.
Se o meu texto em algum momento for ofensivo ou invasivo em relação à experiência de algum deficiente, eu peço perdão.
Agradecida. 
Muito obrigado a você, minha filha Stéphanie

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